A controvérsia consiste em analisar se compete ao autor a faculdade de eleger contra quem pretende demandar na hipótese de medicamento não incluído nas políticas públicas, mas devidamente registrado na ANVISA, considerando a responsabilidade solidária dos entes federados na prestação de saúde. E, em consequência, examinar se é indevida a inclusão da União no polo passivo da demanda, seja por ato de ofício, seja por intimação da parte para emendar a inicial, sem prévia consulta à Justiça Federal.
Considerando que a obrigatoriedade de se formar litisconsórcio é determinada pela lei ou pela natureza da relação jurídica, não se vislumbram os requisitos para formação do referido instituto nas demandas relativas à saúde propostas com o objetivo de compelir os entes federados ao cumprimento da obrigação de fazer consistente na dispensação de medicamentos não inseridos na lista do SUS, mas registrados na ANVISA. Isso porque, na solidariedade passiva, o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum.
Embora seja possível aos entes federais organizarem-se de maneira descentralizada com relação às políticas públicas na área da saúde, essa organização administrativa não afasta o dever legal de o Estado (lato sensu) assegurar o acesso à medicação ou ao tratamento médico a pessoas desprovidas de recursos financeiros, em face da responsabilidade solidária entre eles. Em outras palavras, a possibilidade de o usuário do SUS escolher quaisquer das esferas do Poder para obter a medicação e/ou insumos desejados, de forma isolada e indistintamente - conforme ratificado pelo próprio Supremo no julgamento do Tema n. 793/STF -, afasta a figura do litisconsórcio compulsório ou necessário, por notória antinomia ontológica.
A dispensação de medicamentos é uma das formas de atender ao direito à saúde, que compõe a esfera dos direitos fundamentais do indivíduo, mas não é, em si, o objeto principal da obrigação de prestar a assistência à saúde, por força do contido no art. 196 da Constituição Federal.
As regras de repartição de competência administrativa do SUS não devem ser invocadas pelos magistrados para fins de alteração do polo passivo delineado pela parte no momento do ajuizamento da demanda, mas tão somente para redirecionar o cumprimento da sentença ou determinar o ressarcimento da entidade federada que suportou o ônus financeiro no lugar do ente público competente, nos termos do decidido no julgamento do Tema n. 793/STF.
No que diz respeito aos critérios definidores da competência da Justiça Federal, o julgamento do Tema n. 793/STF não modificou a regra de que compete à Justiça Federal decidir acerca da existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas (Súmula 150 do STJ), bem como de que não cabe à Justiça estadual reexaminar a decisão, manifestando-se contrariamente (Súmula 254 do STJ).
Outrossim, nos conflitos de competência direcionados ao STJ, observa-se que os juízes federais não afastam a legitimidade da União, em face do disposto no art. 19-Q da Lei n. 8.080/1990, tampouco a possibilidade de redirecionamento do cumprimento da obrigação, conforme decidido no Tema n. 793, pelo STF, mas apenas reconhecem a existência de litisconsorte facultativo.
Diante disso, os juízes federais consideram inadequada a decisão da Justiça estadual que determina a intimação da parte autora para emendar a inicial, sob pena de extinção do feito, bem como o ato do magistrado que, de ofício, inclui o ente federal na lide, visto que nenhum dos procedimentos encontra amparo legal.
Portanto, deve-se respeitar a opção da parte autora, não cabendo ao juiz estadual determinar que se proceda à emenda da inicial para incluir a União no polo passivo da demanda, uma vez que não se trata de litisconsórcio necessário, mas sim facultativo para entrega de coisa certa (fornecimento de medicação ou tratamento médico específico), cuja satisfação não comporta divisão.
Quanto ao redirecionamento da demanda ao ente responsável pela prestação do serviço de saúde e chamamento ao processo do obrigado, entende-se que, no ônus financeiro da dispensação do medicamento, insumos e tratamentos médicos, nada impede que o ente demandado se valha do estatuído no art. 35, VII, da Lei n. 8.080/1990. O dispositivo prevê a possibilidade de "ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo" caso, ao final, demonstre não ser sua a atribuição para o fornecimento do fármaco. Tal situação também encontra amparo no disposto nos arts. 259, parágrafo único; 285 do Código Civil/2002 e 23 do Decreto n. 7.508/2011.
Ainda que haja entraves burocráticos para o ressarcimento, a solução para o problema não é transferir a demanda para a Justiça Federal em situações em que isso não é cabível, ao arrepio da legislação processual civil e da Constituição Federal, sob pena de impor diversos obstáculos ao paciente que depende de fármaco e/ou tratamento médico urgente para evitar o agravamento de sua doença ou até mesmo o risco de morte.
Por fim, a jurisprudência desta Corte, consolidada no REsp 1.203.244/SC, no sentido de inadmitir o chamamento ao processo dos demais devedores solidários em demandas de saúde contra o SUS, na forma do art. 130 do CPC/2015, deve ser mantida, exceto se houver posterior pronunciamento do STF em sentido contrário.
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Constituição Federal (CF), arts. 109, I e 196
Código de Processo Civil (CPC), art. 947
Código Civil (CC), arts. 259, parágrafo único, e 285
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), art. 271-B
Lei n. 8.080/1990 (Organização do Sistema Único de Saúde - SUS), arts. 19-Q e 35, VII
Decreto n. 7.508/2011, art. 23
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